domingo, 11 de outubro de 2009

A CARTA DE PAULO A FILEMOM

É a mais breve carta da coletânea paulina consistindo de 335 palavras no grego original e único exemplar existente de correspondência que pode ser chamada de bilhete. Théo Preiss (Londres, 1954, p. 33-34) chama a atenção à maneira que a carta começa associando a Timóteo com Paulo e associando com Filemom à totalidade da igreja que se reúne em sua casa. Segundo ele esses pormenores significam que o documento é uma epístola. Embora de caráter particular, esta epístola deve ser vista não tanto como uma carta particular de Paulo como indivíduo, mas como uma carta apostólica acerca de uma questão pessoal. Callahan (Estudos teológicos nº1, p.107-108) aponta que o apóstolo não é, falando formalmente, um apóstolo, pois não se refere a si mesmo como apóstolo em parte alguma da carta como faz nas suas correspondências, nem se atribui quaisquer prerrogativas apostólicas. Ele se apresenta e apresenta os outros constituintes da carta como colegas trabalhando juntos no projeto comum do evangelho.

A data mais provável desta carta seja entre 59 e 61 d.c, fazendo parte das correspondências de Paulo na prisão em Roma. Endereçada a Filemom (um homem rico da cidade de Colossos), Áfia (sua esposa, segundo alguns comentaristas) e Arquipo (seu filho, segundo alguns comentaristas), tratando do retorno do escravo Onésimo.

A carta enfatiza a transformação de uma vida. O convertido precisa reparar o erro cometido, se isso for possível. Para Onésimo era possível voltar à casa do seu senhor, portanto devia fazê-lo. Chama-nos a atenção a questão da escravidão. Ao que parece Paulo não condenou tal prática, afinal estava mandando o escravo de volta ao seu dono. Porém Paulo aconselha Filemom a tratar o escravo como um irmão amado, contudo a questão parece não estar resolvida ainda. Ele não usa da autoridade apostólica, ele apela à consciência de Filemom para que o perdoe, ainda que o mantivesse como seu servo. O fato é que o evangelho não é uma metodologia de revolução social, mas de revolução pessoal. A expressão da espiritualidade cristã precisava ser traduzida no perdão: esta é a essência do apelo de Paulo a Filemon. “ele (Onésimo), antes, te foi inútil; atualmente, porém é útil, a ti e a mim” (v.11). As relações mudaram: a utilidade de Onésimo para a igreja era agora maior que para o próprio Filemom. Uma mudança interior de atitude era o que se requeria. Esta mudança interior em Filemom seria mais importante do que qualquer mudança na própria instituição da escravidão.

A petição de Paulo era um pensamento revolucionário em contraste com o tratamento contemporâneo de escravos fugitivos. O pedido ousado que Paulo fez em prol de Onésimo, portanto tem seu caminho cuidadosamente preparado pela sua abordagem de linguagem suave com seus tons de petição, e leva a um apelo à cooperação e consentimento voluntários de Filemom e a promessa de fazer restituição pela dívida que Onésimo tinha incorrido. Para J. Knox (Filemom e a autenticidade de Colossenses, p. 154) Paulo nada diz acerca dos “direitos” de Filemom, no sentido de tirar vingança, nem sequer contempla que Onésimo será castigado. Esta omissão milita contra o conceito que vê uma alusão encoberta a Onésimo em Colossenses 3:25: “pois aquele que faz injustiça receberá em troco a injustiça feita”, como se esta seção tivesse em mente o caso de Onésimo e Filemom.

Como documento histórico, a carta lança luz incomum sobre a consciência cristã a respeito da instituição escravidão e Callahan nos mostra que a interpretação da carta a Filemon, como sendo a história dos seus efeitos colonialistas começando com a interpretação imperialista do pregador João Crisóstomo no século IV, como autor que trata Onésimo como um escravo fugitivo, lendo o texto como uma autorização para a escravidão. De acordo com sua exegese, Crisóstomo ilustra que “nós não devemos abandonar ou excluir a raça de escravos” e “que não devemos retirar escravos do serviço de seus senhores”. Nos seus sermões a carta torna-se uma evidência da apologia bíblica da escravidão, interpretação esta que foi amplamente disseminada. O puritano Cotton Mather utilizou-se da leitura pró-escravidão de Crisóstomo aceitando a infelicidade da vida dos escravos e insistindo que esforços deveriam ser feitos para assegurar aos escravos uma vida compensatória de bem-aventuranças no futuro, preparou para eles um catecismo, favoreceu o ensino da leitura da Bíblia sugerindo que eles “decorassem certos versículos particulares das Escrituras onde estavam as várias ordens de Paulo para que os escravos obedecessem a seus senhores. De acordo com Mather, Paulo teria feito de Onésimo um escravo “útil”.

Callahan, como uma alternativa anticolonial, apresenta um relato diferente, é o relato de Paulo, organizador de comunidades de Jesus que faz um apelo à solidariedade em vez de uma afirmação da diferença fundamental entra as pessoas, procurando afirmar, conservar e proteger essa solidariedade que numa palavra é o amor, o tema que unifica a carta. Paulo baseia seus apelos na dívida e não no direito e porque seu relacionamento é de solidariedade e não de reivindicações de direitos, não há momento nenhum de coação. Paulo procura remendar a rede desfiada de solidariedade que une as várias pessoas mencionadas na carta, ele fala dessa solidariedade com a linguagem do amor, fala a linguagem do trabalhador companheiro (sunergos, v, 1, 23), do soldado companheiro (systratiotes, v. 2), do prisioneiro companheiro (synaichmalotos, v.23), a linguagem de colegas e camaradas, a linguagem de ‘irmão amado”.

Bibliografia

CALLAHAN, Allen Dwight, Estudos Teológicos, ano 48, nº 1, p. 101-110, 2008.

CULLMANN, Oscar, A Formação do Novo Testamento - Ed. Sinodal. GONZÁLEZ, Justo L., Uma História Ilustrada do Cristianismo - Volume 1 - Ed. Vida Nova.

GIBERT, Pierre, Como a Bíblia Foi Escrita - Ed. Paulinas.

- HOUSE, H. Wayne, O Novo Testamento em Quadros - Ed. Vida

JOSEFO, Flávio, A História dos Judeus - CPAD

KÜMMEL, Werner G. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1982. pp. 455-458. Por padre José Bortolini, sacerdote Paulino

MARTIN, Ralph P., Colossenses e Filemon, Introdução e comentário, Série Cultura bíblica. Mundo cristão.

PACKER, J.I., TENNEY, Merril C., WHITE JR., William, O Mundo do Novo Testamento - Ed. Vida.

TURNER, Donald D., Introdução do Novo Testamento - Imprensa Batista Regular.